Quilombos: terra, luta e liberdade

Zumbi, comandante guerreiro
Ogunhê, ferreiro-mor capitão
Da capitania da minha cabeça
Mandai a alforria pro meu coração
(Gilberto Gil / Waly Salomão)

Terras de pretos, mocambos, bairros rurais negros, comunidades rurais negras foram alguns nomes dados a territórios construídos a partir de uma identidade étnico-racial e de um sentido de pertencimento coletivo na partilha de uma mesma história, de memórias e significados vividos por homens e mulheres que herdaram de seus antepassados a resistência à escravidão, a busca pela liberdade e o amor à terra.
Na contemporaneidade, a denominação "quilombos" extrapola a relação mais imagética com o Quilombo de Palmares, para a compreensão de um espaço geográfico com questões, diversidades e complexidades para além da definição de um local para onde iam os negros "fugidos" da escravidão. Cada quilombo possui uma formação e uma origem diferenciadas, ao mesmo tempo em que suas características são similares.
Os quilombos contemporâneos são espaços políticos de luta e resistências seculares, que se materializam na manutenção e preservação de modos de vida característicos, religiosidades, patrimônio material e imaterial, relações produtivas e culturais com a terra, formas de transmissão do conhecimento vivido, sentido e aprendido da relação do grupo com aquele território, aquele espaço. Essa resistência material e simbólica se corporifica na sobrevivência e garantia dos valores civilizatórios afro-brasileiros construídos na vivência cotidiana afro-diaspórica.
Foram as comunidades quilombolas e indígenas que preservaram as matas, as nascentes e os ecossistemas, estabelecendo meios de relação com a terra, a vida, o espaço e o território sem dissociar a natureza e a cultura, o mundo material e o mundo espiritual, valores civilizatórios esses pautados em outras lógicas para além de exploração, degradação e consumo. Essas comunidades sempre foram auto-sustentáveis. Não é por outro motivo que mais de 90% da reserva de água potável no planeta encontra-se em seus territórios. 
A exposição fotográfica apresentada, foi construída a partir da vivência de campo para a realização do projeto de extensão"Memória e Patrimônio", na comunidade quilombola de Colônia do Paiol, próxima à Bias Fortes, com o intuito de ser um registro das presenças tão fortes, sensíveis e reveladoras da relação daqueles corpos com o espaço.
Em meio às lutas e reivindicações, os quilombolas de Colônia do Paiol, vão rompendo o silêncio para projetarem sua voz que ecoa em busca de respostas urgentes e necessárias para o seu cotidiano: a garantia da construção de uma escola quilombola; estratégias para lidarem com o racismo, o preconceito e a discriminação da população do entorno; projetos de geração de emprego e renda, esperanças e buscas por oportunidades. Antes, a voz presa na garganta das crianças e jovens cabisbaixos e com baixa auto-estima tinha dificuldade de denunciar essas estratégias de apagamento e invisibilização na escola, na sociedade; hoje, ainda que timidamente, conseguem dizer, conseguem problematizar ao se queixarem que na escola "os professores só ensinam para os brancos". Essa percepção foi construída por meio de um processo de assunção da própria identidade e negritude que é muito doloroso e ao mesmo tempo transformador e libertador ao perceberem a força e a beleza de seus corpos.
Portanto, poder olhar para essa mostra e perceber a coragem e a potência desses olhares, desses espaços e desses modos de viver, de ser e estar no mundo, é fundamental para a valorização desses grupos que decidiram partilhar destinos e construir projetos, vidas e sonhos de um futuro coletivo, onde pudessem ter garantida a posse da terra, a sua cultura, a transmissão do conhecimento de uma geração a outra. E onde também possam plantar, colher e viver da terra, para além da exploração das madeireiras, mineradores, dos grandes latifúndios improdutivos que se pautam em projetos bem distantes dos valores civilizatórios quilombolas. Está entre esses valores o amor aos seus, amor ao seu chão, aos seus antepassados que colocaram a mão na terra com o intuito de resistir, plantar, viver nesse novo mundo para o qual foram violentamente trazidos e que, mesmo em meio ao terror, transformaram dor e sofrimento em alegria.
A felicidade do negro é uma felicidade guerreira

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