Meu corpo, várias moradas


Andei sumida das redes sociais desde dezembro, e digo a todos vocês que foi muito bom para desintoxicar de tantas coisas difíceis e amargas desse turbilhão de informações, do triste, caótico, bárbaro e criminoso momento político que estamos vivendo no país, dos excessos de positividades vazias que muitas vezes nos afastam de nós mesmos, mas como tudo tem um lado bom também, senti saudades de saber as novidades e ver as fotos daqueles de que sinto falta e gostaria que estivessem mais perto de mim. Decidi voltar por causa disso e também por causa da luta e da militância, por causa de tantas coisas que aconteceram comigo, que me transformaram, que gostaria de compartilhar com vocês.

Assim que entrei de férias fiquei doente e tenho adoecido frequentemente, tenho buscado as razões desses adoecimentos e acredito que é o meu corpo dizendo que eu preciso desacelerar e prestar atenção aos seus sinais.

Esta foto foi tirada em Ibitipoca - MG, pelo meu filho Oruan, no processo de cura e restabelecimento da minha saúde.

Foto: Oruan Bezerra
Me senti tão linda e tão menina nessa foto e percebi que muito desse sentimento tem a ver com o olhar que o meu filho tem para mim e para o meu corpo enquanto mãe, enquanto mulher, enquanto ser...

Poder se sentir assim aos 40 anos é uma maravilha!

Fiquei receosa de postar essa foto, primeiro porque sou professora de crianças, depois porque estou bem gordinha e acima do peso, depois porque acho que iria me expor, mas depois fiquei lembrando uma situação que aconteceu ano passado, quando um grupo de pais do colégio apontou para a coordenação algumas falas minhas para as crianças sobre o meu corpo de forma descontextualizada, como se discutir sobre a nossa autoestima e autoimagem não fosse importante para as crianças. O meu trabalho em sala de aula tinha a ver com as discussões sobre os padrões de beleza e como sempre parto de exemplos concretos, usei meu próprio corpo como exemplo, porque a minha presença os educa, o meu corpo e quem eu sou os educa.

Em uma aula, um aluno chamou a colega negra da classe de macaca, quando o repreendi e expliquei o que significava chamar uma menina negra de macaca, ele respondeu que só a chamou de macaca porque ela o chamou de gordo. A partir daí eu comecei uma discussão sobre como precisamos respeitar o corpo do outro como se fosse um templo, um espaço sagrado que precisa ser respeitado e cuidado, protegido e amado, discuti sobre o racismo e como animalizar o outro é retirar a sua humanidade, falei também sobre os padrões de beleza, que cada um tem seu corpo e que as cores, marcas, cicatrizes, traços e características têm que ser respeitadas e valorizadas pois trazem a nossa história, quem nós somos, as nossas memórias, afetos, sentidos...

Mostrei para as crianças como eu era gordinha, perguntei se elas me achavam feia, e disse que meu namorado gostava da minha barriga e de mim do jeito que eu era e que sentir que as pessoas nos aceitam e nos amam do jeito que somos é algo que nos faz muito bem, que nos deixa mais felizes e dispostos para enfrentar os desafios da vida. Eu disse às crianças que o meu corpo tinha uma história, que eu tinha muito orgulho de ter gerado 4 seres nesse corpo, que a minha barriga tinha esticado e encolhido 4 vezes e que tinha sido a morada de 4 crianças que agradeciam e beijavam a minha barriga, que a abraçavam sentindo saudades de quando estavam lá dentro.

Não quero dizer com isso que não preciso emagrecer por questões de saúde, que não posso amanhã resolver fazer uma cirurgia e mudar todo o meu corpo, estou dizendo apenas que se amar, se aceitar e se compreender em qualquer corpo que tenhamos, é fundamental para sermos felizes. E também que temos o direito de ser mulheres e fazer as intervenções ou transformações  que quisermos no nosso corpo, desde que sejam para nos agradar, e não aos outros, desde que seja para que sejamos mais nós mesmas, que nos aceitemos em todas as nossas contradições. Acho muito importante que nós, mulheres, possamos cada vez mais exercitar a aceitação, respeito e valorização de nós mesmas umas com as outras, aceitar as escolhas umas das outras sem julgamentos, isso para mim é sororidade.

Ao me olhar nessa foto, sinto sentimentos muito fortes. Vocês não imaginam e nem fazem ideia de tudo o que esse corpo já passou, já sofreu, já sangrou, como ele foi violentado e castigado por mim mesma e por aqueles que eu permiti que o maltratassem, mas também como ele foi livre, como ele foi amado, se soltou no espaço e como em cada conscientização do meu empoderamento enquanto mulher, ele foi se curando e renascendo das cinzas, mesmo subindo serras de espinhos, as estrelas me disseram que no mundo se cura tudo, e com amor e resiliência, sigo sempre sendo eu mesma e me redescobrindo nas idades, fases e transformações dessa virgem, anciã, mulher, mãe, jovem, velha, irmã, rainha, sacerdotisa, sábia, avó e guerreira, todas as faces do feminino que habitam dentro de cada uma de nós. Por isso exponho meu corpo, quem ver, quem souber olhar, verá que mais do que um corpo, meu filho captou a minha alma, o meu espírito, e ele, apesar de todos os percalços e dificuldades dessa vida, teima em ser livre!

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